Nestes seis meses após a morte de minha filha Raquel, morte cheia de angústia e sofrimento causados pelo câncer que lhe invadiu a coluna vertebral, o cérebro e o sistema linfático, tenho meditado quase que diariamente nesse doloroso mistério que é a morte, principalmente a daqueles e daquelas que vivem conscientemente uma vida de fé.
É verdade que a morte cristã, como a de minha filha, se acompanha frequentemente de angústia, mas esta angústia nada tem a ver com o medo vil que sente quase sempre o arreligioso, o agnóstico ou o ateu, diante do imponderável que os aguarda. A angústia do cristão moribundo é apenas a angústia mística, o pressentimento, o temor ante a magnitude do mistério de Deus; é o frêmito de todo o seu ser à beira dessa mudança radical que dissolve e recompõe o corpo de pecado para o transfigurar em corpo de glória na ressurreição; é abandono humano, solidão, deserto de Deus; porém, no seio desse deserto, Deus fala, além da noite dos sentidos e do espírito. Por muito profunda que possa ser a angústia da morte, para o cristão ela é acompanhada por uma alegria que excede o sentimento.
As mortes cristãs, além da angústia, são doces, porém de uma doçura diferente da serenidade estóica dos arreligiosos, dos agnósticos e dos ateus. Essas angústias são aceitas às vezes desejadas, como no caso dos santos que pediam a Deus para sofrer cada vez mais, a fim de salvar os outros, porque aqui se encontra o mistério da Páscoa: embora a morte cristã, a morte de Jesus de Nazaré, pareçam humanamente falando, trevas e angústias, são também alegria; e se essa alegria é aparentemente idêntica à angustia, idêntica à agonia de suor e sangue, não é porque seja ilusão, mas porque é sobre-humana, ultrapassando todo o entendimento. É uma alegria sobrenatural, divina, um dom de Deus. O cristão e a cristã, por sua fé, têm a certeza da vitória de Cristo sobre a morte; as angústias que eles experimentam são as de Jesus na cruz; elas resplandecem de alegria em meio aos sofrimentos e às trevas.
No livro de Georges Bernanos, "Diário de um Pároco de Aldeia", que acabo de ler pela terceira ou quarta vez, seu personagem principal, o vigário da aldeia, está consciente desta verdade, ele que pronuncia, ao morrer, uma das mais belas frases que encontrei na literatura do século passado: Tudo é Graça!
A razão teológica deste fato é que, na angústia da morte cristã, há a experiência do deserto, o deserto bíblico que todo homem e mulher devem atravessar para se unirem a Jesus no Calvário. No Calvário, porém, está a ressurreição, cujos primeiros vislumbres a alma cristã recebe já nos umbrais da morte.
Na morte cristã é certo que pode haver vestígios de um medo, de um pânico da sensibilidade exaltada; mas não há apenas isso. Embora esse medo exista, só atinge um corpo já quase abandonado de todo, entregue aos reflexos naturais da matéria que se decompõe.
Digo que esse medo pode existir, mas sob uma alegria misteriosa, sob misteriosa serenidade. Conheceu-a muito bem minha filha Raquel, quando murmurava na sua longa e dolorosa agonia: Meu Deus, seja feita a Vossa vontade. Ela dizia: Vossa vontade, pensando em Deus e não se queixando das atrozes dores que a atormentavam.
É pela sua morte sofrida, mas profundamente cristã que tenho absoluta certeza de que hoje ela descansa em paz no Reino de Deus, prometido a ela e a todos nós por Jesus de Nazaré.
Professor Aroldo.
roldoalmeida@hotmail.com
Publicado em: domingo, 20 de fevereiro de 2011
Fonte: Blog da Vida Eterna
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